Dallagnol e o Mestrado em Harvard

Deltan Dallagnol e o Mestrado

Por estranhar a história do “Mestrado em Harvard” que apareceu e depois sumiu do currículo do Procurador Deltan Dallagnol, tirei do armário minha roupa de repórter. Como a maioria dos amigos sabe, sou jornalista formado pela UFF (1979), com Mestrado (2003) e Doutorado (2007) no Instituto de Medicina Social da UERJ, devidamente diplomado e constante de meu Currículo Lattes do CNPq.

Primeiramente fui atrás do que surgiu como justificativa para a “falha” que teria sido cometida pelo procurador, dias atrás corrigida com a informação segundo a qual ele teria cursado, sim, um “LL.M. em Harvard”, curso que teria sido “revalidado” como Mestrado pela Universidade Federal do Paraná. Pois comecei investigando uma coisa e esbarrei em outra ainda mais notável.

No Currículo Lattes (Plataforma Oficial do CNPq preenchida pelo próprio Deltan Martinazzo Dallagnol, logo informação imune a eventuais leituras de adversários de sua atuação como Coordenador da Lava-Jato), efetivamente segue constando textualmente que o Coordenador da Lava-Jato é “Mestre pela Harvard Law School (LL.M.) (revalidação como mestrado pela Universidade Federal do Paraná, processo 23075.030726/2013-21)”.
Passo seguinte, fui verificar exatamente o que é um “LL.M.” em Direito pela Harvard. A sigla inglesa LL.M. significa Latin Legum Magister ou Master of Law, cujo certificado é concedido aos que fazem o curso para aplicar seus ensinamentos adotando o sistema denominado “Common Law”. Um fato chamou-me a atenção. Este sistema incorpora a lógica segundo a qual a aplicação das leis acontece com base na jurisprudência e nos costumes de cada sociedade, não sendo obrigatório que as diferentes legislações utilizadas nos processos judiciais de cada país estejam escritas.

Repito e destaco em caixa alta: NÃO SENDO OBRIGATÓRIO QUE AS DIFERENTES LEGISLAÇÕES UTILIZADAS NOS PROCESSOS JUDICIAIS DE CADA PAÍS ESTEJAM ESCRITAS.

O conteúdo ministrado no “LL.M. de Harvard” instrui o estudante a respeito de como funciona o “Common Law” em países como Estados Unidos e Inglaterra e como se dá, na prática, a utilização dessa ferramenta. Ao contrário do Mestrado no Brasil – que dura dois anos e o aluno precisa não apenas apresentar uma robusta dissertação, cuja produção é acompanhada por um orientador, passa por uma banca inicial de qualificação e finalmente é submetida a uma banca de três Doutores da respectiva área -, o LL.M. nos Estados Unidos dura, em média, apenas um ano (metade do tempo exigido no Brasil para a concessão do grau de Mestre). Além disso, quem cursa o LL.M não precisa apresentar nenhum trabalho autoral do porte de uma dissertação como as produzidas no Brasil no fim do curso, não compartilhando seu aprendizado com um orientador, nem se submetendo a qualquer banca examinadora em relação a seu desempenho acadêmico. Na formação de Direito na Inglaterra, o LL.M. está inserido ainda na Graduação, não sendo considerado sequer uma pós-graduação.

Propagandas do LL.M. distribuídas no Brasil tratam o curso como “uma oportunidade de melhorar o networking e turbinar o currículo”. Vale frisar que estas mesmas propagandas são explícitas e honestas o suficiente para afirmar que “diferente do mestrado (…) o LL.M. é desenvolvido com aulas voltadas para aplicação prática dos conteúdos”, informando aos interessados que as aulas do LL.M. se restringem à “discussão dos conteúdos em classe, estudos de caso, realização de workshops, trabalhos em equipe, simulações, entre outros”.

Três questões (entre muitas) saltam aos olhos:

1. O que faz a mídia comercial que não vai atrás de informações como essas? Ela acha que não têm importância? Ou será que faz parte do projeto “censurar-o-que-não-interessa” que temos sido vítimas há anos?

2. Se é verdade que a UFPR “revalidou” como um Mestrado Acadêmico o LL.M. em Harvard – cujas características acadêmicas estão descritas acima – há de se apresentar à sociedade brasileira não apenas o referido diploma dessa operação, mas também os critérios que levaram a Universidade a considerar compatível duas formações cujos padrões são tão diferentes.

3. Tendo em vista o impacto de enorme magnitude trazido à vida do País, urge um debate não apenas entre juristas, mas que incorpore o conjunto de instituições da nossa República, sobre a forma que tem se dado a aplicação no Brasil do que podemos chamar de “ideário” sustentado pelo sistema da “Common Law”, explicitamente baseado no que seja lá o que venha a ser “legislações não escritas”.

Por Álvaro Nascimento é jornalista (UFF-1979), Mestre (2002-2003) e Doutor (2004-2007) pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, tecnologista aposentado da Fiocruz e escritor.

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