Por Gustavo Gindre – Ciro Gomes está propiciando à esquerda uma oportunidade incrível. Ele está abertamente propondo uma rota de saída da destruição causada pelo bolsonarismo e o neoliberalismo.
Esse caminho passa por duas condições: (1) atrair uma parte da direita para um projeto não neoliberal e (2) conquistar o apoio de uma burguesia com projeto nacional.
A esquerda deveria se debruçar sobre essa estratégia de forma analítica. Ela é a melhor estratégia a ser adotada? Quais as outras estratégias possíveis? Essa estratégia é viável? Quais as consequências dessa estratégia?
Fazer tal debate não significa aderir ao Ciro. Muito pelo contrário, é possível discutir essas questões de forma bastante crítica.
Eu mesmo não pretendo apoiar o Ciro, mas acho que ele coloca questões que precisam ser encaradas e resolvidas, mesmo que seja para superar a proposta cirista.
É muito melhor fazer esse debate às claras do que repetir a estratégia de fazer um discurso de esquerda, chegar no poder e se aliar com a direita, mas sem um projeto.
Mas, ao invés disso, mobilizada pela blogosfera petista, boa parte da esquerda preferiu seguir no debate moral e ad hominem. Discute-se se Ciro é um coronel, se ele é destemperado, porque ele foi para Paris no segundo turno… Mas não se discute as duas questões centrais da proposta cirista: a existência ou não de uma burguesia com projeto nacional e a possibilidade ou não de ganhar uma parte da direita para um projeto não neoliberal. E quais os limites e possibilidades desse estratégia.
E essa incapacidade de fazer o debate de conteúdo explica boa parte de nossa atual miséria.
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O problema dos “atores”
Os marxistas sempre acreditaram no potencial revolucionário do proletariado. Papel esse que nunca se cumpriu. Tivemos revoluções anti-imperialistas, de descolonização, camponesas, etc. Mas jamais uma revolução liderada pelo proletariado. E hoje o próprio conceito de proletariado precisa ser largamente atualizado.
Os nacional-desenvolvimentistas confiam no papel de uma burguesia local, disposta a promover uma revolução burguesa. Mas, como Ruy Mauro Marini explicou brilhantemente, ao menos a burguesia brasileira sempre esteve tranquila em cumprir seu papel de sócia local e subordinada ao capital estrangeiro.
O populismo tenta resolver essa falta de atores coletivos transferindo o protagonismo para uma liderança carismática que paira acima das divergências e por isso seria capaz de transcende-las. O último resultado dessa estratégia ainda ressoa na nossa memória recente.
Há, de fato, um problema grave. Quem será o agente coletivo de uma transformação nacional?
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Eu não acho que toda a direita parlamentar seja neoliberal. Pelo contrário, acho que uma parte dessa direita resiste ao neoliberalismo. Aliás, é ela hoje que impede o avanço da agenda do Paulo Guedes no Congresso.
O problema é que essa direita é extremamente fisiológica e resiste ao neoliberalismo por se sentir ameaçada em seus condutas patrimonialistas.
E justamente pelo seu caráter fisiológico, essa direita é incapaz de formular um projeto. Ela vai sempre negociar as melhores condições fisiológicas para sua adesão a um projeto de terceiros.
Por Gustavo Gindre