CESAR BENJAMIN: Sobre o acordo de livre-comércio com a Europa

Vários amigos pedem minha opinião sobre o anúncio da criação de uma área de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

Começo dizendo que, não por acaso, as negociações começaram em 1999 e demoraram tanto. O assunto é complexo e exige grande cautela. Também não por acaso, um governo incompetente e entreguista concluiu essa mesma negociação em poucos meses. Negociar cedendo tudo é muito mais rápido.

Tentemos entender os fundamentos do que está em jogo.

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O comércio exterior de países periféricos, como o Brasil, apresenta forte assimetria, com exportações concentradas em bens primários e de baixo valor agregado, e importações de bens e serviços mais intensivos em capital, técnica e conhecimento.

A dinâmica desses dois subconjuntos é muito diferente. Pois, na medida em que a renda das sociedades cresce, diminui a participação relativa do primeiro subconjunto, seja pela menor utilização de matérias-primas nos produtos finais, seja pela descoberta de novos materiais, seja pelo aumento da participação dos bens industriais e dos serviços na cesta de consumo das populações (isso se chama, em economia, elasticidade-renda menor do que 1). O inverso também é verdadeiro: os países ricos produzem, em maior proporção, os bens cuja demanda cresce mais do que o crescimento da renda (em economia, elasticidade-renda maior do que 1).

Por causa dessa assimetria, políticas de proteção aplicadas no centro e na periferia têm conseqüências bem diferentes. A proteção dos mercados dos países centrais, quando atinge os produtos ofertados pela periferia, retarda o crescimento e aumenta a vulnerabilidade dos países periféricos, reduzindo sua capacidade de contribuir para o crescimento do comércio mundial, visto como um todo.

A proteção seletiva dos mercados da periferia tem um efeito contrário. Pois os países periféricos em via de modernização continuarão necessitando realizar importações no limite de suas possibilidades, e por isso sempre farão o maior esforço exportador que esteja ao seu alcance. A proteção seletiva de seus mercados permite diminuir sua vulnerabilidade externa, tornando mais completa a sua base produtiva e aumentando sua renda interna, sem diminuir (ao contrário, aumentando) o volume de suas importações. Esse tipo de proteção altera apenas a composição dessas importações, concentrando-as naqueles produtos que os países pobres realmente não têm condições de produzir.

Ou seja, a adoção de níveis adequados de proteção pelos países periféricos, ao aumentar sua renda sem diminuir sua propensão global a importar, maximiza o potencial do comércio mundial. Por isso, a confiança no livre jogo das forças de mercado e a proposta, dela decorrente, de reduzir igualmente as tarifas só seriam corretas se se aplicassem a países com estruturas econômicas homogêneas.

Quando o centro se abre para receber exportações da periferia, a periferia responde aumentando suas importações oriundas do próprio centro. Quando a periferia se abre da mesma maneira, a recíproca não é verdadeira. Neste caso, os países periféricos tendem a ter déficit nas contas externas, forçando-os a aumentar seu endividamento (e sua fragilidade) ou a reduzir suas importações.

Chegamos assim ao aspecto central do argumento: em um sistema internacional marcado por forte heterogeneidade, a maximização do livre-comércio não coincide com a maximização do comércio.

Por uma questão de eficiência econômica, e não de ideologia, países que apresentam estruturas muito diferentes não devem ser submetidos às mesmas regras comerciais.

Para obter maximização do comércio – que é, de fato, o desejável – é preciso reconhecer uma realidade histórica: as trajetórias de desenvolvimento, entre países e entre regiões, são desiguais.

Tudo isso é sofisticado demais para ser compreendido pelo governo Bolsonaro.

O Brasil, mais uma vez, se ferrou. Seu comércio externo se tornará mais assimétrico, com as exportações concentradas em produtos primários.

Passo a passo, vamos eliminando nossas chances de desenvolvimento.

Por Cesar Benjamin

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