Atos do dia 02/10: o que vi e vivi na Avenida Paulista, mais uma vez.

O ato de ontem na Avenida Paulista traz um misto de sensações e algumas indicações sobre o que está por vir na política nacional. O ato de unidade dos partidos do campo popular foi maior do que os atos convocados pelo MBL no dia 12, até porque acabou contando com um número maior de forças envolvidas, entre partidos, centrais sindicais e movimentos sociais. Ainda assim, não foi maior do que os atos bolsonaristas do dia 7 de setembro, ponto que voltarei a abordar no decorrer do texto.

Assim como foi no dia 12/09, a Tenda Trabalhista foi montada na parte da manhã na Avenida Paulista, na altura do Trianon-MASP, e por lá ficou até o cair da noite. Do fim da manhã ao início da tarde o clima era de tranquilidade, amistoso, algo que começa a mudar quando as forças envolvidas no ato dão início aos discursos no principal carro de som presente na avenida. Logo no início do ato uma liderança do PCO (Partido da Causa Operária), essa curiosa organização operária sem operários, usou do seu tempo de fala para atacar Ciro Gomes de forma baixa, o xingando de “canalha” e chamando um coro de “Lula presidente”, rasgando completamente o combinado nas reuniões de organização do ato, que deveriam ter um único mote que era o “Fora Bolsonaro, Impeachment Já!”. Mas nada que surpreenda vindo de uma organização com ares de seita, bastante conhecida pelos seus posicionamentos machistas, racistas e homofóbicos, e uma curiosa tendência de defender de forma incondicional o “menino” Neymar. Provavelmente esse papel de cão de guarda de Lula e do PT tenha relação com as novas regras eleitorais que tendem a fazer o partido desaparecer. Um ensaio de retorno para dentro do PT explica esse papel lamentável.

A partir dali as tentativas de intimidação aos pedetistas foi uma constante, ainda que em ações de “baixa intensidade”, digamos assim. Militantes petistas, principalmente, passavam pelo meio das nossas tendas de propósito, rindo, fazendo piada, tentando colar adesivos do PT, até fixaram uma pequena bandeira deles no meio do nosso material, enfim. Mas também existiram cenas curiosas como algumas pessoas com coletes da CUT que apareceram por lá para pegar adesivos do Ciro e do PDT dizendo “Olha, nós somos totalmente Ciro! Votamos nele, mas não podemos falar isso lá no meio da CUT senão a gente apanha. Podemos levar adesivos pra distribuir para os amigos depois?”. E vale ressaltar também que, assim como aconteceu no dia 12, muita gente passava pela tenda para perguntar em qual carro de som o Ciro faria o discurso. Tinham ido até a Paulista exclusivamente para vê-lo.

Pois bem, essa foi a toada até o momento do discurso do Ciro. Ali sim foi o momento de maior tensão, com a turba do PT e da CUT claramente preparados previamente para fazer de tudo para que o Ciro não conseguisse falar. Ali no meio da multidão ouvi de tudo: xingamentos que foram do “Hey Ciro, vai tomar no cu!” passando pelo xenofóbico “coronel” até a pérola que ouvi, e essa sim me tirou do sério, quando um petista que estava ao meu lado gritou “CIRO GOLPISTA!”. De longe esse foi o xingamento mais canalha, dado que Ciro lutou do início ao fim contra o golpe de 2016, correndo riscos de todos as ordens e fez a denúncia de que Sérgio Moro era suspeito ao julgar os casos da Lava-Jato de forma pioneira, quando o ex-juiz batia recordes de popularidade. Mas aparentemente para a militância petista Renan, Eunício, Jucá, Sarney e outros que votaram pelo impeachment e devem se encontrar com Lula na próxima quarta não foram golpistas, mas Ciro que esteve na mesma trincheira até o fim, sim. Muito estranha essa lógica do PT que consegue misturar o pior fisiologismo com o esquerdismo mais radical no mesmo balaio.

Mas enfim, apesar das agressões, Ciro seguiu firme até o fim e arrematou dizendo que está acostumado a lutar contra todos os tipos de fascismo, seja aquele travestido de vermelho ou de verde e amarelo. Eu ressalto aqui minha profunda decepção com Marcelo Freixo, que discursou logo após o Ciro e não disse uma palavra sequer sobre as agressões (por sinal assim continua, inclusive), ficando lá abraçado com Haddad e fazendo “L” com a mão para a torcida. É triste ver uma liderança que sempre teve luz própria caindo na mais pura subserviência da noite para o dia. Aliás, como não citar a cena tragicômica da militância petista gritando “Lula, Lula” quando Haddad surge em cima do caminhão de som? Haddad continua sendo Lula, só não consegue ser Haddad. É a liderança menos liderança da política nacional. Mas apesar disso, sendo justo, ele ao menos depois do ato disse que as agressões ao Ciro foram “lamentáveis”. Boulos também se solidarizou, assim como a presidente da UNE, Bruna Brelaz, as deputadas Sâmia Bomfim e Jandira Feghali e a ex-ministra Marina Silva. Freixo nem isso. Manuela e D’Ávila idem. Silêncio total, como se nada tivesse acontecido.

Se já não bastasse esse absurdo todo, em um ato que deveria ser de unidade, o pior ainda estava por vir. Não satisfeitos com tudo o que já tinham feito, militantes do PCO, da CUT e da JPT (Juventude do PT) armaram uma emboscada para o Ciro na saída do ato, com garrafas de vidro e pedaços de pau, que graças a ação da militância trabalhista não obteve sucesso. Foi a barbárie, ainda por cima coroada depois do ato com uma fala ambígua da presidente do PT, Gleisi Hoffman, lamentando o ocorrido, mas dizendo não ter controle sobre a militância em um ato grande como esse. Estranho uma liderança lavando as mãos assim quanto aos atos da sua própria militância. Bem estranho.

Mas enfim, como disse no início do texto, essa foi a maior manifestação contra Bolsonaro desse ano, ainda que tenha sido menor do que as de 7 de setembro. Me parece urgente que a esquerda repense os seus métodos de mobilização. Se Bolsonaro tem uma vantagem sobre nós ainda é, justamente, na capacidade de arregimentar e levar para a rua os “não-organizados”. A esquerda perdeu essa capacidade. Botar na rua só os filiados e militantes partidários e sindicais é muito pouco frente ao desafio colocado. Precisamos encontrar uma resposta e rápido para esse problema.

Em segundo lugar, como já disse também, essa manifestação de ontem mostrou qual será o tom da campanha de 2022 e o que se viu não foi nada bom. O que vai despontando no horizonte é uma disputa marcada pelo radicalismo e pela violência, alimentados pelos dois extremos que hoje polarizam o debate. Se ainda é verdade que o PT faz parte do campo democrático e o bolsonarismo não, também é bem verdade que na base essa verdade já não é mais tão evidente assim. Os métodos da turba enraivecida e irracional de ambos os lados são os mesmos: o silenciamento da divergência de forma autoritária e o assassinato de reputações. E a ausência de Lula na manifestação é só mais um ingrediente nesse caldo perverso. Nada em política é por acaso.

Por fim, uma coisa é certa: o buraco em que nos metemos parece não ter fundo e a derrota de Bolsonaro não garantirá por si só o fim desse cenário de hostilidade no qual o Brasil se afundou. Por exemplo, o que esperar de um novo governo do PT, fruto de um ambiente tão marcado pelo sentimento de vingança e o revanchismo? A mistura desses dois elementos com a adoração acrítica ao líder nunca deu em coisa boa na História. O Brasil necessita urgentemente de uma saída para essa armadilha, antes que seja tarde demais e o esgarçamento do nosso tecido social se torne irreversível. Essa é a lição que fica do ato de ontem.

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