Presidente da Argentina estatiza a maior empresa do setor agroexportador do país

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, anunciou agora a pouco a estatização da empresa Vicentin, líder do setor agroexportador do país. Em coletiva à imprensa, ocorrida na Casa Rosada, Fernández declarou: “Estou anunciando aqui, neste momento, que estamos enviando ao Congresso uma lei de desapropriação para o grupo Vicentin, para que o Estado nacional assuma o controle. Todos os ativos do grupo Vicentin farão parte de um fundo fiduciário e confiaremos à administração YPF AGRO”.

A empresa expropriada, que vinha sofrendo denúncias de fraudes contábeis, era grande devedora do governo argentino. Há questionamentos a respeito da obtenção de empréstimos durante o governo Macri, em uma época em que a empresa já teria grandes problemas financeiros ocultados em balanços fraudulentos. A Vicentin foi a maior doadora da última campanha de Mauricio Macri, doando 13,5 milhões de pesos para coalizão liderada pelo ex-presidente.

Além das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa atualmente, Alberto Fernández justificou o resgate e a expropriação da Vicetin afirmando que “a Argentina precisa de soberania alimentar” e que esta seria uma empresa de utilidade pública, estratégica para a economia nacional. A YPF AGRO, que pertence à companhia nacional de petróleo e que comercializa sementes, defensivos agrícolas e fertilizantes, além insumos para silos e lubrificantes, implantará uma gestão mista na Vicentin.

Após o anúncio, Fernández se manifestou sobre o tema em suas redes sociais:

Cabe lembrar que o uso da YPF para essa operação só é possível graças a outra expropriação, esta feita durante o governo Cristina Kirchner, em 2012. A reversão da privatização da YPF feita nos anos 90, que pertencia ao grupo espanhol Repsol, foi realizada após intensos debates no parlamento argentino, quando o então Ministro da Economia, e atual governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, ganhou fama pela defesa enfática da expropriação da empresa que fez no senado:

O comportamento atual do governo argentino, no meio de uma grave crise econômica e sanitária, revela um padrão dos governos populistas latino-americanos. Nos momentos de crises agudas, ao invés de recuarem para se recomporem com as oligarquias tradicionais em busca de apoio, caminham na direção oposta implementando políticas de caráter popular e nacionalista.

No Brasil, durante o governo Getúlio Vargas, no auge da crise política que levou ao seu suicídio, foi criada a Petrobrás (outubro de 1953), contrariando poderosos interesses internacionais, e o então Ministro do Trabalho, João Goulart, reajustou o salário mínimo em 100% (maio de 1954), contrariando poderosos interesses nacionais. O próprio Jango, quando Presidente, anunciou anos mais tarde, em outro período de intensa crise, uma série de reformas que ia do controle da remessa de lucros das multinacionais à reforma agrária e urbana.

Esse tipo de atuação política contrasta com o movimento dos governos liberais de esquerda do Brasil visto nas últimas décadas. Não só foi perdida uma grande chance de reestatização da Vale e da Petrobrás em um momento de bonança, causado pelo aumento dos preços das commodities durante o governo Lula (como fez Cristina Kirchner na Argentina com a YPF), como ainda vimos inacreditáveis recuos do governo Dilma nos momentos de crise.

Em 2013, respondendo aos protestos que começaram em junho daquele ano, Dilma cedeu às corporações judiciais, dando a elas todos os instrumentos usados pela Lava Jato a partir do ano seguinte para desmontar o sistema político e as grandes empresas nacionais. Em 2015, tentando buscar apoio do sistema financeiro para estabilizar seu governo, Dilma realizou um duro ajuste fiscal que resultou na maior crise econômica da história do país, podendo ser superada apenas pela atual.

Como diz um antigo ditado: “todo vento é desfavorável a quem não sabe em que porto quer desembarcar”. E é por isso que o populismo latino-americano aterroriza tanto as elites, pois já provou diversas vezes que tem plena consciência de onde quer chegar.

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