Sobre a reforma da previdência: além de torná-la sustentável, vamos também aproveitá-la para melhorar a distribuição da renda no país?
Estamos todos comovidos com o desastre de Brumadinho, que certamente poderia ter sido evitado e os responsáveis devem ser punidos. Mas nesta nota quero falar sobre a reforma da previdência, que vai começar a integrar as manchetes já já, ao lado das relações da família presidencial com as milícias. Participei de um debate sobre o tema no Sindilegis, em Brasilia, no dia 24/01.
Entendo que a reforma da previdência é inevitável e não só isso, essencial, não porque o mercado financeiro afirma e defende, mas porque do contrário realmente o setor público não recuperará sua capacidade de poupar. Subdividi o sistema previdenciário em quatro regimes para a análise, ainda que a divisão formal não seja essa, devido às suas características distintas: urbano, geral, dos servidores civis e militares.
Apenas o regime geral urbano possui uma receita de contribuições razoável. Cobrar dívidas e reduzir isenções também ajudarão a melhorar o seu resultado, e são medidas factíveis e necessárias; uma futura retomada do crescimento também deverá contribuir para a melhoria da arrecadação, mas é importante ressaltar que essas ações não resolverão isoladamente o principal problema deste regime: o crescimento do número de benefícios, que o tornará insustentável a longo prazo, e o desequilíbrio futuro em relação ao número de contribuintes. Considerar o resultado do orçamento da seguridade, por sua vez, ao invés de apenas as receitas de contribuições, somente despe um santo para vestir outro. É necessário alterar a idade mínima, (prevendo algumas diferenciações por categorias e/ou regiões), junto com a definição do tempo de contribuição necessário para alcançar o benefício máximo. Também será necessário complementar o regime de repartição com o de capitalização, pois no futuro não haverá um número suficiente de contribuintes para financiar os beneficiários no regime atual, dadas as mudanças demográficas e nas relações de trabalho. O setor público deverá gerir estes fundos, com ampla fiscalização da sociedade e transparência, e contribuição tanto de funcionários como de empregadores (ou contratantes).
A previdência rural, por sua vez, é um típico programa de assistência com componente fortemente redistributivo; as contribuições praticamente inexistem e os benefícios são direcionados aos mais pobres. Sugiro que haja um tributo específico para financiá-la, preferencialmente sobre lucros e dividendos distribuídos, e seja transformada em um programa de renda mínima, extensível aos pobres da área urbana.
São evidentes o desequilíbrio e as distorções do regime dos servidores, tanto civis como militares. O nível de contribuições é muito baixo e, diferentemente do regime rural, resulta em concentração da renda, principalmente no caso dos servidores civis. Aqui é necessário, além de aproximar as regras das vigentes para o regime geral urbano, elevar a contribuição de ativos e inativos, pois muitos se aposentaram, ou se aposentarão, com proventos integrais e igualdade de reajustes em relação aos servidores ativos. Se não forem elevadas tais alíquotas, teremos um deficit neste regime que não cairá e, na verdade, superará os atuais 1,6% do PIB nele registrado; o país poderá fazer a reforma e o esforço fiscal que quiser e mesmo assim esse patamar de deficit estará dado e, o que é pior, não será resultante de algum programa que beneficie os mais pobres.
Especificamente em relação aos militares, mesmo que a sociedade aceite diferenciar a sua aposentadoria em relação à dos civis, é fundamental que as regras também mudem, ainda mais porque que a contribuição deste grupo é a menor todos analisados – inferior até mesmo à contribuição para o regime de aposentadoria rural.
Enfim, muita água ainda vai rolar sobre o tema. Eu trouxe aqui algumas propostas e análises que certamente são iniciais. É importante frisar apenas mais uma coisa: a reforma da previdência deve ser discutida juntamente com a tributária, pois as duas têm que “ornar”. Novas fontes de financiamento para a previdência terão que ser criadas, dado o atual comportamento das suas receitas.
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Complementando meus argumentos já apresentados, segue abaixo a tabela com o resultado dos quatro regimes que citei, comparando as receitas de contribuições e a despesa com benefícios. Chama atenção a reduzida contribuição do regime rural (o que é justo), e dos dois regimes de servidores (civis e militares) que, ao contrário, não me parece tão justo assim. Nota-se também o elevado deficit do conjunto do sistema, distribuído de modo quase uniforme entre os regimes, sendo no caso da aposentadoria rural, de novo, mais justificável que no caso dos servidores.