Entendendo o crime: Privatização da Eletrobras

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Em meio ao caos da pandemia, o Governo Federal conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados a Medida Provisória nº 1.031/2021, que privatiza a Eletrobras por perda do controle acionário. Na prática, o governo continuará com suas ações da empresa, porém lançará novos papéis ao mercado, diluindo assim sua porcentagem sobre a propriedade da empresa. O Governo estima levantar 100 bilhões de reais com a privatização e anuncia que nenhum futuro sócio da empresa poderá ter mais que 10% da propriedade. Para que a União continue a ter decisão e poder de veto referente aos assuntos estratégicos, o governo terá as ações chamadas Golden Share. O Governo Federal, apesar de privatizar a Eletrobras, não pode se desfazer da parte brasileira de Itaipu Binacional e da Eletronuclear, que cuida das usinas nucleares de Angra I e II. Para essa solução, o governo federal poderá criar uma nova estatal para gerir esses recursos que o governo não pode privatizar.

Entendendo a Eletrobras

A Eletrobras é uma holding de economia mista (maior parte das ações ainda estão com o Governo Federal) que atua na geração, transmissão e distribuição de energia elétrica em todo o Brasil. A empresa foi criada em 1962 pelo presidente trabalhista João Goulart, que na época concebeu a empresa como coordenadora de todas as empresas que estavam sob seu guarda chuva, todas elas envolvidas em todos os processos da fabricação de energia elétrica. Ou seja, o setor elétrico nacional era essencialmente estatal. Mas isso só durou até os anos de 1990 com a Reforma do setor elétrico. Nessa data são criadas as agências reguladoras do setor – como ANEEL e ONS – e realizada a abertura do setor elétrico à participação dos capitais privados. Em suma, agora a Eletrobras concorria em leilões pelo direito de produzir energia com outras empresas. Desde essa Reforma de Fernando Henrique Cardoso, o preço da energia no Brasil aumentou muito, fazendo do Brasil o país com a segunda tarifa de energia mais cara do planeta. No entanto, mesmo após esse golpe sofrido há quase 30 anos, a Eletrobras continua a ser uma grande empresa brasileira. Outra observação que deve ser notada nesse processo é que as regiões mais rentáveis para geração de energia elétrica ficaram com as empresas privadas e as regiões menos rentáveis foram obrigatoriamente repassadas à Eletrobras.

Mesmo assim, a atual Eletrobras – para 2019 – mantinha uma rede de linhas de transmissão de 71 mil KM e produzia 51 GW de energia, mais ou menos 30% dos 170 GW da energia produzida no país. Também é graças à Eletrobras que o Brasil tem uma das matrizes de energia mais ecológicas do planeta, sendo 96% da energia gerada pela Eletrobras obtida por fontes de energia limpa: 90% por meio hidráulico, 4% por usinas nucleares e 2% por usinas eólicas. Mesmo com tudo isso, nos últimos anos a Eletrobras teve lucros de dezenas de bilhões de reais. Convém também desmentir a fábula que a Eletrobras é “cabide de emprego”, pois a empresa tem o menor índice de número de empregados por MW instalado quando comparada a grandes empresas mundiais do seu setor.

TABELA 1: Índice número de empregados por MW instalado de algumas empresas mundiais.

O que de verdade está em jogo

O deputado Bibo Nunes (PSL-RS) protagonizou um discurso sobre a privatização da empresa dizendo que quem era acionista da Eletrobras – como o próprio – poderia subscrever as ações da empresa comprando-as por um valor menor de mercado e depois colocando à disposição para capitalização. Para entender o interesse do deputado, há de se entender primeiro o que é uma subscrição de ações. Essa prática serve para impedir que a participação dos atuais acionistas da empresa – como o deputado Bibo Nunes – seja diminuída. Como a Eletrobrás será privatizada colocando mais ações no mercado para aumentar seu capital, quem hoje detém, por exemplo, 5% da propriedade da empresa passaria a ter menos de 5% de propriedade com mais papéis disponíveis e isso impacta diretamente na distribuição de dividendos. Sendo assim, mesmo se novos papéis forem lançados ao mercado, quem já tem passaria a ter mais papéis para continuar com sua mesma propriedade que tinha antes do lançamento dos novos papéis. Ou seja, uma oportunidade única de ter mais lucros. Talvez isso explique o fervoroso entusiasmo dos financistas com a privatização da Eletrobras.

O novo sistema

A Eletrobras vende energia às distribuidoras pelo regime de cotas. Esse regime, basicamente, fixa um máximo valor para uma determinada produção de energia que poderá ser vendida pelas empresas produtoras de eletricidade, sendo esse valor determinado pela ANEEL levando em conta alguns custos, como de produção e garantias. Ou seja, se a cota for de R$ 40/MWh, as empresas só poderão vender eletricidade até esse valor.

O novo sistema, proposto pela privatização da empresa, é o de Produção Independente, que permite às empresas venderem energia a preços de mercado. Na prática, quer dizer que as empresas podem potencializar seus lucros o quanto quiserem, pois não haverá um limite para isso. Quem se beneficia disso são os acionistas, que receberão mais dividendos. No entanto, quem sai mais prejudicado são os consumidores, que terão de pagar a diferença.

Sabendo disso, agora imagine os impactos em cadeia que esses aumentos não vão provocar. Além da tarifa de energia mais cara nas casas das pessoas, também haverá aumentos expressivos para as indústrias, fazendas e comércios, encarecendo tudo que depende da eletricidade.

Como é no resto do mundo

Um complicador adicional do problema da privatização da Eletrobras é que 90% da eletricidade que ela gera vem de hidrelétricas. Ou seja, as águas dos rios são represadas e passam por enormes turbinas e esse movimento gera energia. Muitas das hidrelétricas brasileiras estão nos mais formosos rios do país, como Belo Monte que está no Rio Xingu. O Brasil detém 12% de toda água doce disponível do planeta e é de crucial importância que o controle dessa vastidão de água esteja nas mãos do poder central nacional. Muitos podem argumentar que não serão as águas em si que serão privatizadas, mas seu uso. Mas na prática isso muda em que?

Segundo a constituição, os minérios do subsolo pertencem a todos os brasileiros, mas algumas empresas têm o direito de explorá-los por um período de tempo, como a Vale. Você por um acaso recebe o lucro da mineração (afinal, os minérios em si não foram privatizados) ou os acionistas estrangeiros que detém o controle da empresa que tem os direitos de explorar esses minérios? Obviamente, o que ocorre é que o país abre mão daqueles recursos por um período de tempo e quando eles voltarem, se voltarem caso não forem exauridos, podem não estar na mesma qualidade para uso. Justamente devido a esse tipo de compreensão que os países que têm sua energia gerada por hidrelétricas mantém controles nacionais e estatais sobre suas empresas geradoras, como é o caso da China que mantém quase 60% de sua geração de energia sob controle estatal.

Mas não somente para países que mantém as hidrelétricas como principal fonte de geração de eletricidade, países com as mais diversas fontes de energia mantém seus controles estatais sobre a geração elétrica. Um exemplo claro disso é Israel, onde 90% da sua produção de energia está nas mãos do estado. Outros países mantêm forte controle estatal sobre suas produções de eletricidade: França, 70%; Noruega, 60% e Canadá, 50%.

O que fazer

A Eletrobras só responde por 30% da energia gerada no país, os outros 70% – segundo a ANEEL – são produzidos por mais de 9 mil geradoras de energia privadas. Ou seja, na prática a energia no Brasil já é privatizada e isso se reflete nas altas tarifas de energia que o Brasil registra desde a abertura do Setor Elétrico por FHC. A solução passa por reestruturar a Eletrobras e devolver a ela o seu papel coordenador de toda a energia produzida no país para que ela possa planificar a produção a fim de produzir mais energia de forma ecológica e, principalmente, mais barata.

Em maio de 2020 a Eletrobrás tinha somente 12.088 funcionários, menos da metade dos 26 mil empregados que tinha em 2016. Isso indica o desmonte da empresa ao longo dos anos e a resiliência da empresa em se adaptar ao cenário hostil ao desenvolvimento do país.

Dito isso, a única lição que fica é o dever de todo e qualquer nacionalista lutar pela completa reestatização da Eletrobras.

Viva João Goulart!

  1. Pura idiotice que esse “estudante de medicina” escreveu. O consumidor não pagará mais para compensar os “investidores”, muito pelo contrário, isso aumentará a competitividade, isso chama-se livre mercado.

  2. Ao ler o comentário de Ricardo Romero, gostaria de parabenizar o sítio por permitir a publicação de opiniões de oportunistas repugnantes, traidores da pátria abjetos, como Bolsonaro e os deputados corruptos e entreguistas que aprovaram a privatização da Eletrobrás , gente desprezível, que ganha a vida como lacaios da plutocracia financeira parasita rentista.

  3. A besta Ricardo Romero acredita em “livre-mercado”.. Tão livre que empresas estatais, ou subsidiadas, de países estrangeiros, virão ao Brasil comprar ações da Eletrobrás e enviar seus lucros às matrizes. Bela liberdade.

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